Vítima de paralisia
cerebral, Nathalia Fernandez, de 23 anos,
visitou as 12 cidades-sede do Mundial e gravou um
documentário sobre as dificuldades dos passageiros com deficiências físicas
“Por
um erro médico, tive paralisia cerebral na hora do parto. Desde então, tenho
dificuldades de movimentar o lado direito do corpo. Isso nunca foi desculpa
para que eu ficasse parada. Há dois anos fiz um intercâmbio para estudar inglês
em Las Vegas, nos Estados Unidos. Quando fui buscar minhas malas no aeroporto,
percebi que os fios da minha scooter (carrinho motorizado
para quem tem mobilidade reduzida), que eu havia despachado de São Paulo,
haviam quebrado durante o voo. Pensei: ‘Se
isso aconteceu com uma bagagem especial, imagina com o resto. Imagina na Copa!’
Voltei
de viagem com aquele questionamento na cabeça. Queria saber como (e se) os
nossos aeroportos estariam preparados para receber não só os turistas
estrangeiros para o mundial, mas também os passageiros com deficiências
físicas. Somos muitos. Precisava investigar. Como tenho dificuldades de
digitar, e sou muito falante, o documentário me pareceu o formato ideal de
fazer isso.
Ao
longo de 2013, viajei pelas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Sempre de avião.
A bordo da minha scooter, passei por 15
aeroportos. Um amigo-cinegrafista me acompanhou nos trajetos e não deixou de
filmar uma cena sequer. Arquei com todas as despesas das viagens e tentei
variar de companhias aéreas para experimentar os mais diversos tipos de
atendimento. Para economizar, não desgrudava de sites de promoções de passagens
aéreas. Como estava cursando Direito, não podia faltar na faculdade. A maior
parte das viagens aconteceu nas férias letivas e nos finais de semana. Só faltei
um dia na aula, uma sexta-feira.
Na
maioria das viagens, eu não dormia na cidade. Chegava no aeroporto pela manhã,
passava algumas horas lá, e voltava para casa no mesmo dia. Testava as barras
de apoio dos banheiros, os adesivos antiderrapantes no chão e as plataformas
elevatórias para embarque e desembarque de cadeirantes. Enchia os funcionários
dos balcões de informação de perguntas. Observava quem estacionava nas vagas
para deficientes e se havia táxis acessíveis na porta dos aeroportos.
Tive
dificuldades com algumas companhias aéreas de conseguir assentos na primeira
fileira do avião -- como garante a lei às pessoas com deficiência. Foi preciso
argumentar intensamente com os funcionários de algumas empresas. Nos saguões de
espera, vi muitos assentos especiais ocupados por não deficientes. Inclusive,
por suas mochilas. Outra coisa que me chamou a atenção foi o uso inadequado de
banheiros. Muitas pessoas, principalmente membros das tripulações, acabam
usando as cabines reservadas porque têm espelhos maiores e são mais espaçosas.
Uma tremenda falta de respeito, já que há muitos banheiros disponíveis para não
deficientes.
Enquanto
estava nos aeroportos, tentava olhar não só para as minhas próprias
dificuldades, de locomoção, mas me colocar no lugar de pessoas com outros tipos
de deficiência. Para os cegos, faltam informações em braile. Os surdos também
passam por problemas complicados. Pouquíssimos funcionários sabem se comunicar
em Libras (a Língua Brasileira de Sinais). Em um dos aeroportos, perguntei aos
funcionários do posto de informação se falavam em Llibras. Com um sorriso,
responderam: ‘Vai no grito mesmo’.
Em
outro aeroporto, quando estava naquele ônibus que nos leva do terminal até o
avião, pedi a um funcionário que me ajudasse a prender a cadeira de rodas em
que me transportaram, pensando na segurança do transporte. Ele disse: ‘Não precisa, eu te seguro”. Pode não parecer, mas
é muito perigoso para um cadeirante andar de ônibus sem cinto de segurança.
Certa vez, fui esquecida dentro do avião e não tive ajuda para desembarcar. Sei
que não foi por mal. É despreparo.
Como
bacharel em Direito, li a fundo o que garante a legislação brasileira aos
deficientes físicos. Não é pouca coisa. Na prática é que fica difícil. Posso
dizer que nenhum dos aeroportos brasileiros que visitei está 100% preparado
para receber passageiros com deficiências físicas. Mais do que estrutura para
garantir a acessibilidade, é preciso preparo dos funcionários e respeito por
parte de outros passageiros. É claro que no meio do caminho encontrei pessoas
solícitas e dispostas a me ajudar. Minhas experiências mais positivas foram no
Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), no Aeroporto Internacional Eduardo
Gomes, em Manaus (AM), e no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre
(RS).
Se
os passageiros sem deficiência física já têm milhões de reclamações dos
aeroportos, para nós, viajar de avião é ainda mais difícil. Acho que as
companhias aéreas precisam enxergar as pessoas com deficiências físicas como
consumidores, e não como exceções. Até hoje, nunca viajei sozinha de
avião dentro do Brasil. Por enquanto, acho que ainda não dá. Ficaria muito
tensa.”
Assista abaixo o documentário
produzido por Nathalia Fernandez sobre a acessibilidade nos aeroportos das
cidades-sede da Copa.
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